Juntando os Pedaços
CAPÍTULO 02
27 de
Fevereiro
Angelis despertou. Suas pálpebras moviam-se incertas para
cima. O torpor do sono ainda dominava seu corpo. E sua mente alcançava
lentamente a consciência. Ela contou algumas batidas de coração, e no que
pareceu um piscar de olhos, as lembranças de todos os eventos dos dias
anteriores voltaram com força, golpeando sua psique ainda fragilizada.
Automaticamente, ela esticou a mão para o lado da cama, na esperança de
encontrar um corpo quente familiar e descobrir que tudo havia sido apenas um
sonho ruim. Mas Manoella já não estava ali.
Era tudo real, a loira indo embora, a viagem de carro
desesperada atrás dela, a discussão por telefone com a ex-sogra... Tudo.
Parte da conversa gritada ao telefone com a mãe de Manu,
tinha implicado que um dos entraves para a continuação de seu relacionamento é
o fato de Angelis ser mulher, e a noção a irritou tanto quanto a humilhou.
Seus sentimentos significavam menos por ela ser mulher? Será
que o mundo realmente pensa dessa maneira? Foi sua sociedade ainda repleta de
hipocrisia e preconceitos de (in)sensibilidade Hitleriana? A raiva que Angelis
sentia com esta injustiça queimava intensamente dentro de seu peito, mas ela
sabia que precisava superar, ela sabia que havia muitas outras coisas a
considerar.
A morena respirou fundo e tentou levar-se além dessas
emoções, para ver o passado com os olhos livres do amor ou do ódio, medo ou
tristeza. Para lembrar o que havia acontecido e para ver se havia pistas lá.
Sua mente era lenta para cooperar no início, relutante em deixar para trás as
emoções daquele momento. Eventualmente, porém, ela começou a se mover através
das linhas de sua memória.
Ela lembrou-se da fazenda. Lembrou-se do pasto extenso, e das
cercas. Como algo percebido apenas no limite de sua visão, tornou-se claro e
sólido quanto tempo havia passado. Angelis pensou em todas as conversas que ela
e Manu tiveram até a eliminação da estilista.
O que a morena havia tirado desta analise? O conhecimento de
que ela estava de pé à beira do seu mundo destruído? Ou o conhecimento de que
agora seu mundo estava condenado a existir na forma de outra pessoa (Manoella)?
Isso era uma limitação? Uma libertação? Angelis certamente nunca foi uma pessoa
de limites, mas desde a Fazenda tudo parecia estar cercado de barreiras.
Durante o reality show, o limite tinha sido um lugar de
transição, uma demarcação cintilante entre aqui e lá. Segurança e perigo. Nós e
Eles. Essas fronteiras haviam sido colocadas arbitrariamente pelos outros
participantes do jogo (e se Angelis fosse sincera, pela produção e edição
tendenciosa).
A mente da morena vagava também a outro tipo de limitação.
Ela e Manu dentro de um espaço muito pequeno, cercadas por edredons. Ela sentiu
seu coração bater descompassado e, embora ela tentasse deixar as emoções para
traz, era impossível lembrar-se daquelas horas com lógica fria. Então ela
abandonou esta linha, e deixou sua mente disparar para trabalhar, acelerando
entre outras memórias e pensamentos.
Angelis lembrou-se de um beijo ocasional pressionado no canto
de sua boca. E agora, olhando para trás, ela percebeu a frustração nos olhos de
Manoella, e a tristeza, na solidão que a outra mulher havia percebido nela. O
desejo de acalmar substituindo o senso comum, sem fronteiras e sem sutilezas
entre as duas.
Ela lembrou-se dos hematomas pelo corpo de Manoella após a
loira ter vencido o Desafio Semanal. Angelis não teve permissão para assistir a
prova, mas pelas marcas no corpo da amada ela só poderia imaginar o quanto Manu
havia sido guerreira. A morena recorda-se do que sentiu quando viu o orgulho
nos olhos da loira, ela conseguira, Manoella havia vencido. A realização de que
a loira era mais do que um rosto bonito e roupas pouco convencionais... Vendo
sua coragem e curiosidade. Sua fácil aceitação dos diversos tipos de
temperamento... O desejo de conhecer profundamente a loira aumentou. Desejo de
compreender sua alegria jovial, uma criatura estranha e sedutora.
E então sua memória disparou para um lugar muito menos feliz.
O momento em que Manoella havia contado sobre sua viajem ou melhor, o momento
antes disso, quando a esperança e o medo queimavam intensamente, lutando pelo
domínio no peito de Angelis. Ela sabia o que Manoella ia dizer antes da loira
abrir a boca, e parte dela tinha quase se desintegrado no desespero.
Flashback
"Eu preciso ir."
“Eu vou junto” Angelis não hesitou.
Manoella viu a tristeza nos olhos castanhos cinzentos,
pontilhados de desespero silencioso. E nesse instante ela quase se adiantou e
tomou Angelis nos braços, seu primeiro instinto ainda era confortar a amada, ainda
era colocar a dor da morena a frente da sua. Porque embora tenha sido de
Manoella a decisão de partir, isso não significa que não estava machucando,
pelo contrario. Ela desejava atender ao pedido de Angelis. Ela desejava
mergulhar na ligação entre elas, mas não podia. Ela já havia feito sua escolha.
“Não.”
Angelis levou as mãos ao rosto, lutando contra as lágrimas
que ameaçavam escapar, ela não queria que Manoella a visse assim, tão derrotada
e machucada. Ela deixou o quarto, entrando no banheiro. Ela fechou a porta
atrás de si com força desnecessária, fazendo as dobradiças tremerem.
Decepção e dor guerreavam na morena. Parte dela tinha
gritado, como um animal ferido perversamente desejando prosseguir com esta
fonte de dor, em vez de fugir e se esconder no banheiro. Mas sua confusão era
grande demais. Angelis estava completamente perdida, e incapaz de trazer seu
intelecto para suportar a conversa. A lógica fugia-lhe, perseguida por
frustração e perda amarga.
Quando a morena finalmente se recompôs. Quando ela enfim
podia voltar a encarar Manu e fazer a loira perceber que sua vida era ao lado
dela. Que não existia mais Manu sem Angelis, nem Angelis sem Manu. Ela voltou
para encontrar um quarto vazio. Descrença e medo impulsionaram seus próximos
movimentos. Ela correu por cada canto do apartamento gritando o nome da loira.
E quando a busca se mostrou infrutífera, ela desceu apressadamente as escadas
do prédio, inquieta demais para esperar o elevador. Mas, novamente, não
encontrou nada. O porteiro informou que a Manoella havia partido num táxi
apenas alguns segundos atrás. Como última medida desesperada, ela tentou o
celular, apenas para ser confrontada pela voz fria e impessoal da caixa de voz.
Tudo ficou escuro.
Fim
do Flashback
Tempo
presente
"Angelis? Você está bem?"
Assustada, a morena quase derramou a taça de vinho que tinha
nas mãos. Ela virou-se para dizer sim, e encontrou Saulo encarando-a, uma
expressão educadamente preocupada escrita em seu rosto. Tomando uma respiração
curta, a morena assentiu, piscando lentamente para limpar sua mente e voltar ao
presente. Apesar do fato de ainda estar sentada, ela sentiu como se tivesse
acabado de terminar uma corrida. Ela se sentia desconfortável também, nervosa e
ansiosa. Saulo a olhou com curiosidade, mas não perguntou novamente sobre seu
estado.
"Nós estávamos pensando em pedir pizza, tudo bem pra
você?" ele perguntou, obviamente inseguro e relutantes em perturbá-la.
"Ah," Angelis suspirou. "Sim. Claro, seria
ótimo."
Ela havia começado o dia prometendo a si mesma que não iria
mais se lamentar, que deixaria as coisas seguirem seu fluxo natural. Ela
conseguiu cumprir a promessa durante a maior parte do dia. Focando em seu
trabalho, confirmando alguns eventos. Tirou um tempo para twittar, e retribuir
o carinho dos fãs.
Como havia informado, Bianca não voltou para casa, mas ligou
para se certificar de que Angelis estava bem, foi uma hábito que a loira
desenvolveu. Dividindo o apartamento, ela assistia em primeira mão como a
morena ainda estava abalada com a recente separação. E mesmo em seu fim de
semana com Nuelle o namorado, ela não poderia deixar de ligar. Foi da loira a
ideia de Angelis receber alguns amigos em casa durante a noite, ela não queria
que a colega ficasse sozinha, Angelis acabou concordando.
Mas a morena não conseguia se livrar daquela sensação
incomoda de que algo estava faltando. E esse “algo” possuía nome e sobrenome.
Infelizmente, ela colocou sua taça para baixo em uma bandeja
e correu os dedos pelos cabelos. Vida, ao que parece, não fazia questão de
seguir seu plano de ter uma noite agradável com seus amigos sem pensar em certa
estilista.
Um alvoroço começou na sala, ganhando a atenção da morena.
Aparentemente, todos estavam pedindo para Saulo e Ju tocarem algo no violão. O
corpo de Angelis se tencionou por um momento, ela sabia que eles não puxariam
nenhuma música “sua e da Manu”, mas o receio ainda estava ali.
Só quando os primeiros acordes de “Robocop Gay” soaram é que
a morena conseguiu relaxar. Ju a puxou pela mão, a incitando a cantar junto.
Depois de alguns segundos, Angelis estava realmente se divertindo enquanto
gritava a letra animada.
Essa fanfic é de autoria da @CavalinhoBorges

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